Terça, 21 Setembro 2010 16:40
Chamo-me Paulo Borges. Sou professor na Universidade de Lisboa e
escritor. Dirijo a revista Cultura ENTRE Culturas. Tenho dois filhos.
Sou o primeiro signatário da Petição “Pela abolição das
touradas e de todos os espectáculos com touros”, que circula na net
e em versão impressa. A petição, lançada pelo Partido pelos
Animais e pela Natureza (PAN), serviu de base à constituição da
plataforma “Basta de Touradas”, que conta já com a adesão de 24
associações e entidades de defesa dos animais e com vários apoios
de figuras públicas, nacionais e internacionais.
O Dr. Moita Flores, figura pública e actual presidente da Câmara de
Santarém, lançou uma petição contra a nossa, redigida em termos
que considero deveras preocupantes, vindos de uma pessoa com a sua
responsabilidade cultural, cívica, social e política. Sei que se
sente ameaçado pelo movimento de defesa dos animais, mas isso não
justifica tudo.
No texto da sua petição chama hipócritas, histéricos,
angustiados, “talibãs” e “horda de analfabetos” a todos os
que são contra as touradas. Diz que chegou à idade “onde já não
há paciência para ser insultado”, quando ninguém o insultou.
Pelos vistos chegou à idade onde só tem paciência para insultar os
seus concidadãos. Para insultar os milhões de portugueses que, por
serem contra o sofrimento dos animais e contra a degradação dos
homens que se divertem com isso, são considerados psicopatas,
terroristas e incultos.
Fui amigo do Professor Agostinho da Silva, sou editor das suas obras
e presido à Associação com o seu nome. Aprendi com ele e com muitos
outros – desde São Francisco de Assis, Leonardo da Vinci e Antero
de Quental a Gandhi e ao XIV Dalai Lama - a defender a causa do bem de
homens e animais e recordo que Agostinho da Silva dizia haver dois
tipos de “analfabetos”: os que não sabem ler e os que sabem, mas
não conseguem entender o que lêem. Creio que o Dr. Moita Flores se
arrisca a ser suspeito de um terceiro caso, ainda mais grave: não
conseguir sequer entender o que escreve. Pergunto-lhe quem dos
opositores às touradas comete atentados bombistas ou pretende impor
as suas ideias pelo terror e pela violência. Pergunto-lhe porque é
que ser contra o sofrimento de touros e cavalos e contra a
degradação dos homens que com isso se divertem é ser
“analfabeto”. Sou autor de 22 livros (de poesia, ensaio, ficção
e teatro) e sou professor na Universidade de Lisboa há 22 anos: os
portugueses ficam a saber, pela superior inteligência do Dr. Moita
Flores, que a dita Universidade contratou um “talibã” e um
“analfabeto” que anda a converter ao terrorismo e à incultura os
milhares de alunos que o têm tido como professor. E eu, que tive a
felicidade de crescer numa família onde se desligava a televisão mal
começava a dar uma tourada, fico a saber que os meus avós, o meu
pai, a minha mãe, a minha irmã, o meu cunhado, os meus filhos e
amigos, eram e são todos "talibãs" e "analfabetos".
Não gosto de falar de mim, mas tenho de o fazer pela causa que
defendo e porque isto é gravíssimo, vindo de um criminologista, de
uma figura pública e de um supremo responsável político camarário.
O Dr. Moita Flores insulta desavergonhadamente a maioria da
população portuguesa que, como o indica um estudo recente (2007) do
ISCTE, é contra as touradas. Segundo a brilhante dedução deste
senhor, Portugal tem assim, a par da crise económica, mais um
problema grave: a maioria da sua população é composta de
desequilibrados mentais, “talibãs” e “analfabetos”.
A solução para este estado de coisas seria, segundo fica implícito
no espírito da sua petição, irmos todos curar-nos, reabilitar-nos e
cultivar-nos, com as nossas famílias, filhos e netos, para essas
vanguardas da alta cultura que são as praças de touros, onde se
descobre o sentido da vida e da existência, e se aprende a amar os
animais e a natureza, aplaudindo num êxtase de alegria o espectáculo
da dor e do sangue. Desprezemos as artes, as letras e as ciências,
deixemos as escolas, abandonemos as universidades, onde segundo Moita
Flores ensinam “talibãs” e “analfabetos”, e vamos todos
atingir a maioridade cívica, mental e cultural a gritar “Olé!”
nas touradas.
Agora sem ironia: o seu texto, Dr. Moita Flores, de uma retórica
literária completamente desprovida de coerência racional e apenas
cheia de arrogância e insultos a quem não pensa como o senhor,
confrange pela desonestidade e/ou confusão mental de que dá mostras.
Pois não sabe o senhor que os defensores dos animais são contra
todas as formas do seu sofrimento, incluindo essas que refere, e não
apenas contra as touradas? Diz que se converteu ao franciscanismo e
que São Francisco de Assis lhe ensinou o “caminho ético e moral”
para educar os seus filhos e eu pergunto: já alguma vez leu as
biografias de São Francisco, onde por exemplo se diz que “Chamava
irmãos a todos os animais […]” (Tomás de Celano, Vida Segunda,
CXXIV, 165) e se compadecia perante os sofrimentos que os homens lhes
infligiam? E porque é que o “touro bravo” é uma “fera negra,
símbolo da morte e do medo”? Não serão antes o toureiro e todos
os aficionados que aplaudem o espectáculo da dor que são temíveis e
negros símbolos – embora muitas vezes inconscientes - do pior que a
humanidade traz em si? Fala do ritual trágico onde “vence a vida ou
vence a morte” e eu pergunto se a evolução dos costumes não nos
oferece outras formas, mais nobres, de fazer a catarse das paixões e
vencer o medo, sem fazer sofrer ninguém? Não há hoje formas
superiores de heroísmo, como dedicar-se às grandes causas de defesa
dos homens, dos animais e da natureza? Não é isso mais benéfico,
útil e urgente do que a religião cruel das touradas, anacrónica
persistência dos arcaicos sacrifícios sangrentos? E não é uma
grosseira mistificação identificar os opositores das touradas com a
cultura urbana, quando há quem deteste touradas em todos os pontos do
país, incluindo no Ribatejo e no Alentejo? Para já não falar da sua
patusca ideia de que nós defendemos a “ditadura do ‘hamburger'
urbano” (!?...) e de que é pelas touradas que se defendem os
“Direitos do Homem”, dos animais e da “Terra”… Sinceramente,
Dr. Moita Flores, o que há de lógico e sério nisto? Defendem-se os
animais criando-os para os torturar? O touro bravo tem de ser
torturado numa arena para continuar a existir e com ele os montados?
Fala por fim da identidade nacional, da preservação da memória
histórica de Portugal: triste identidade e triste país que depende
de manter tradições eticamente inadmissíveis para subsistir! Pois
eu digo-lhe: Portugal será muito mais motivo de orgulho para os
portugueses, e muito mais respeitado internacionalmente, quando, após
ser pioneiro na abolição da pena de morte, abolir as touradas e
todas as formas de sofrimento animal. Portugal não desaparecerá, mas
será um outro Portugal, que manterá na sua riquíssima tradição e
cultura tudo o que for ético, relegando para os museus do passado a
não repetir tudo o que hoje nos envergonha, como autos-de-fé,
esclavagismo, perseguições político-religiosas e touradas.
Esta carta dirige-se a si, mas sobretudo a todos os Portugueses.
Leiam-se as duas petições, o espírito, a argumentação e os
objectivos de uma e outra, e vejamos o que queremos de melhor para o
país, para nós e para as futuras gerações: aplaudir como cultura a
tortura dos animais para divertimento dos homens, com prejuízo da sua
humanidade e sensibilidade ética, ou dar um passo corajoso para
abolir esta e todas as formas de fazer sofrer os animais, nossos
companheiros na aventura da existência, em prol do seu bem e da nossa
evolução pessoal e colectiva.
E vejamos quem queremos ter como representantes. É muito grave que
num Estado de direito as forças policiais não sejam capazes de ou
não queiram fazer cumprir a lei, como no recente caso da morte do
touro em Monsaraz. Como é muito grave que uma figura como o Dr. Moita
Flores desrespeite e insulte impunemente os seus concidadãos que, por
imperativo de consciência, não pensam como ele. Está na hora de
dizer “Basta!”: às touradas, a todas as formas de infligir
sofrimento a homens e animais e a uma geração de políticos que
coloca os seus duvidosos gostos pessoais, bem como os interesses de
grupos minoritários, acima da sensibilidade maioritária da
população. Está na hora de surgir uma nova geração, com um novo
paradigma, que traga a ética para a política e assuma numa mesma
bandeira a defesa dos homens, dos animais e da natureza.
outros – desde São Francisco de Assis, Leonardo da Vinci e Antero
de Quental a Gandhi e ao XIV Dalai Lama - a defender a causa do bem de
homens e animais e recordo que Agostinho da Silva dizia haver dois
tipos de “analfabetos”: os que não sabem ler e os que sabem, mas
não conseguem entender o que lêem. Creio que o Dr. Moita Flores se
arrisca a ser suspeito de um terceiro caso, ainda mais grave: não
conseguir sequer entender o que escreve. Pergunto-lhe quem dos
opositores às touradas comete atentados bombistas ou pretende impor
as suas ideias pelo terror e pela violência. Pergunto-lhe porque é
que ser contra o sofrimento de touros e cavalos e contra a
degradação dos homens que com isso se divertem é ser
“analfabeto”. Sou autor de 22 livros (de poesia, ensaio, ficção
e teatro) e sou professor na Universidade de Lisboa há 22 anos: os
portugueses ficam a saber, pela superior inteligência do Dr. Moita
Flores, que a dita Universidade contratou um “talibã” e um
“analfabeto” que anda a converter ao terrorismo e à incultura os
milhares de alunos que o têm tido como professor. E eu, que tive a
felicidade de crescer numa família onde se desligava a televisão mal
começava a dar uma tourada, fico a saber que os meus avós, o meu
pai, a minha mãe, a minha irmã, o meu cunhado, os meus filhos e
amigos, eram e são todos "talibãs" e "analfabetos".
Não gosto de falar de mim, mas tenho de o fazer pela causa que
defendo e porque isto é gravíssimo, vindo de um criminologista, de
uma figura pública e de um supremo responsável político camarário.
O Dr. Moita Flores insulta desavergonhadamente a maioria da
população portuguesa que, como o indica um estudo recente (2007) do
ISCTE, é contra as touradas. Segundo a brilhante dedução deste
senhor, Portugal tem assim, a par da crise económica, mais um
problema grave: a maioria da sua população é composta de
desequilibrados mentais, “talibãs” e “analfabetos”.
A solução para este estado de coisas seria, segundo fica implícito
no espírito da sua petição, irmos todos curar-nos, reabilitar-nos e
cultivar-nos, com as nossas famílias, filhos e netos, para essas
vanguardas da alta cultura que são as praças de touros, onde se
descobre o sentido da vida e da existência, e se aprende a amar os
animais e a natureza, aplaudindo num êxtase de alegria o espectáculo
da dor e do sangue. Desprezemos as artes, as letras e as ciências,
deixemos as escolas, abandonemos as universidades, onde segundo Moita
Flores ensinam “talibãs” e “analfabetos”, e vamos todos
atingir a maioridade cívica, mental e cultural a gritar “Olé!”
nas touradas.
Agora sem ironia: o seu texto, Dr. Moita Flores, de uma retórica
literária completamente desprovida de coerência racional e apenas
cheia de arrogância e insultos a quem não pensa como o senhor,
confrange pela desonestidade e/ou confusão mental de que dá mostras.
Pois não sabe o senhor que os defensores dos animais são contra
todas as formas do seu sofrimento, incluindo essas que refere, e não
apenas contra as touradas? Diz que se converteu ao franciscanismo e
que São Francisco de Assis lhe ensinou o “caminho ético e moral”
para educar os seus filhos e eu pergunto: já alguma vez leu as
biografias de São Francisco, onde por exemplo se diz que “Chamava
irmãos a todos os animais […]” (Tomás de Celano, Vida Segunda,
CXXIV, 165) e se compadecia perante os sofrimentos que os homens lhes
infligiam? E porque é que o “touro bravo” é uma “fera negra,
símbolo da morte e do medo”? Não serão antes o toureiro e todos
os aficionados que aplaudem o espectáculo da dor que são temíveis e
negros símbolos – embora muitas vezes inconscientes - do pior que a
humanidade traz em si? Fala do ritual trágico onde “vence a vida ou
vence a morte” e eu pergunto se a evolução dos costumes não nos
oferece outras formas, mais nobres, de fazer a catarse das paixões e
vencer o medo, sem fazer sofrer ninguém? Não há hoje formas
superiores de heroísmo, como dedicar-se às grandes causas de defesa
dos homens, dos animais e da natureza? Não é isso mais benéfico,
útil e urgente do que a religião cruel das touradas, anacrónica
persistência dos arcaicos sacrifícios sangrentos? E não é uma
grosseira mistificação identificar os opositores das touradas com a
cultura urbana, quando há quem deteste touradas em todos os pontos do
país, incluindo no Ribatejo e no Alentejo? Para já não falar da sua
patusca ideia de que nós defendemos a “ditadura do ‘hamburger'
urbano” (!?...) e de que é pelas touradas que se defendem os
“Direitos do Homem”, dos animais e da “Terra”… Sinceramente,
Dr. Moita Flores, o que há de lógico e sério nisto? Defendem-se os
animais criando-os para os torturar? O touro bravo tem de ser
torturado numa arena para continuar a existir e com ele os montados?
Fala por fim da identidade nacional, da preservação da memória
histórica de Portugal: triste identidade e triste país que depende
de manter tradições eticamente inadmissíveis para subsistir! Pois
eu digo-lhe: Portugal será muito mais motivo de orgulho para os
portugueses, e muito mais respeitado internacionalmente, quando, após
ser pioneiro na abolição da pena de morte, abolir as touradas e
todas as formas de sofrimento animal. Portugal não desaparecerá, mas
será um outro Portugal, que manterá na sua riquíssima tradição e
cultura tudo o que for ético, relegando para os museus do passado a
não repetir tudo o que hoje nos envergonha, como autos-de-fé,
esclavagismo, perseguições político-religiosas e touradas.
Esta carta dirige-se a si, mas sobretudo a todos os Portugueses.
Leiam-se as duas petições, o espírito, a argumentação e os
objectivos de uma e outra, e vejamos o que queremos de melhor para o
país, para nós e para as futuras gerações: aplaudir como cultura a
tortura dos animais para divertimento dos homens, com prejuízo da sua
humanidade e sensibilidade ética, ou dar um passo corajoso para
abolir esta e todas as formas de fazer sofrer os animais, nossos
companheiros na aventura da existência, em prol do seu bem e da nossa
evolução pessoal e colectiva.
E vejamos quem queremos ter como representantes. É muito grave que
num Estado de direito as forças policiais não sejam capazes de ou
não queiram fazer cumprir a lei, como no recente caso da morte do
touro em Monsaraz. Como é muito grave que uma figura como o Dr. Moita
Flores desrespeite e insulte impunemente os seus concidadãos que, por
imperativo de consciência, não pensam como ele. Está na hora de
dizer “Basta!”: às touradas, a todas as formas de infligir
sofrimento a homens e animais e a uma geração de políticos que
coloca os seus duvidosos gostos pessoais, bem como os interesses de
grupos minoritários, acima da sensibilidade maioritária da
população. Está na hora de surgir uma nova geração, com um novo
paradigma, que traga a ética para a política e assuma numa mesma
bandeira a defesa dos homens, dos animais e da natureza.
Está na Hora! Basta!
Vamos assinar em massa:
http://peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=010BASTA
Paulo Borges
Lisboa, 21 de Setembro de 2010